Há 17 anos, quando as badaladas dos sinos da Igreja Matriz de São João Batista, em Bocaina, no interior de SP, anunciam a meia-noite de 24 de junho, Lúcio Scarri, de 58 anos afunda os pés nas brasas acesas da fogueira que comemora o dia do santo do qual é devoto.
Lúcio é morador de Barra Bonita (SP), cidade vizinha a Bocaina, e, atualmente é o fiel que realizou mais vezes a travessia do corredor de brasas, tradição no município há mais de 140 anos. Em 2024, será sua 17ª travessia
O aposentado compartilhou as expectativas para mais uma vez realizar o ato de fé. “É como se fosse a primeira vez. É muito grande minha fé e devoção, eu sinto a presença de São João todos os dias na minha vida depois de atravessar as brasas”, conta.
Segundo ele, a preparação para o momento é constante. Lúcio pratica corrida regularmente e, apesar de a travessia nas brasas durar apenas poucos metros, há, claro, a preparação espiritual.
“Fisicamente a gente se cuida, eu pratico corrida, na minha faixa etária. Alí eu me sinto em um momento de fé. O povo em volta, o calor das brasas. Até quem não realiza a travessia se emociona e sente que é um momento diferente”, explica.
Tradição Centenária
Em 2024, a festa completa sua 136ª edição, levando como data inicial uma notícia de um jornal da época que anunciava a primeira celebração na praça da matriz da cidade.
Por outro lado, a celebração de São João Batista na região tem data muito mais antiga. Registros da Igreja Católica, mostram que em 1850 a festa já era realizada em fazendas de produção de café, milho e feijão na área onde futuramente se fundaria Bocaina.
Os trabalhadores rurais louvavam a grande fartura pela colheita da época que culminava com o final de junho, quando o santo é celebrado na Igreja. Os trabalhadores se reuniam na casa principal da fazenda com grande fartura de bebida e comida.Após a festança, quando a fogueira que os aquecia era apagada, surgiu a tradição de caminhar sob a brasa da fogueira como prova de fé e devoção ao santo.
Padre Daniel Valentin, pároco de Bocaina, explica que a tradição popular foi se fundindo com a religiosa, resultando na festa como é conhecida atualmente.
“A igreja entende que é uma expressão da religiosidade popular, trazida pelos portugueses, que trouxeram também a devoção a São João Batista aqui pra cidade. Era uma maneira de expressar sua religiosidade com um ato do cotidiano”, conta o padre.
Com o passar dos anos, a quantidade de pessoas que atravessam a fogueira diminuiu. Em 2023, apenas Lúcio realizou o ato de devoção.
Padre Daniel afirma que existe um certo risco na travessia, mas que incentiva que a tradição não se perca.
“Já chegou a ter mais de 20 pessoas passando, já no ano passado, apenas uma pessoa. Então a gente motiva as pessoas a expressarem sua fé na passagem da fogueira. Mas é um risco que se corre, não é? Eu creio eu que não acaba, mas que talvez ela se transforme em outra maneira de se expressar a fé”, explica.
Quem foi São João Batista
São João Batista é filho de Isabel que, de acordo com as escrituras bíblicas, é prima de Maria, mãe de Jesus. Portanto, ele era considerado primo de Jesus.
Para a Igreja Católica, São João é aquele que “aponta” para a chegada do Cristo. Isso porque ele anunciava que Jesus estava por vir enquanto realizava os batismos no Rio Jordão e durante as pregações realizadas por ele. Quando ficou adulto, João morou por um período no deserto para se dedicar à oração e realizar sacrifícios.
Já sua relação com a fogueira, que é acesa em sua homenagem, vem de inclusive antes de seu nascimento.
“A questão da fogueira, vem de que os seus pais moravam no monte, no alto da colina, e a expectativa pelo nascimento de São João Batista era grande. Então, como expressão de fé, na linguagem popular, se a criança nascesse de dia, levantaria-se um mastro, e se São João Batista nascesse à noite, acenderia-se uma fogueira para avisar a cidade que São João Batista havia nascido. Como São João Batista nasceu à tardezinha, então levantaram o mastro e acenderam a fogueira como expressão do anúncio do seu nascimento”, finaliza Padre Daniel.
Fonte: G1